segunda-feira, 21 de setembro de 2009

CRÔNICAS DE MULHER

MATERNIDADE


Catorze quinze, dezasseis, ...vinte e três, vinte e quatro e meio pedaços de fita adesiva de cor laranja-rosa, para assegurar uma tomada de telefone na parede. Uma secretária e uma cadeira sozinhas, uma conversando com a outra. Na parede, logo à frente de quem entrava, o mesmo cartaz antigo, feito à mão, com as letras mais vagabundas do mundo, dizia: “Não é permitido às grávidas entrarem na Maternidade com objectos de valor. Não podem comer nem beber.” Do lado direito um outro cartaz mostrava um doente na maca, moribundo, e, ao lado dele, um braço musculoso e uma agulha enorme: “Doe sangue. Sangue é vida!”

- Cruz, credo!.

Fiquei ali sozinha, plantada, à espera que aparecesse vivalma.

A cadeira cansou-se de falar com a secretária sobre o livro velho de entradas que reclamava das folhas arrancadas no outro dia. Eis que chegam uma touca verde, uns óculos grandes um uniforme azul-claro, um par de luvas amarelas que carregavam uma mulher. Ela deixou um balde ao canto da sala com um cheiro insuportável de creolina.

- Bom dia, tudo bem? Sorrio para o rosto deformado com óculos.

Um olhar desconfiado me responde exactamente como o balde e o pano de chão.

Cara séria de um rosto bonito, que já foi simpático, mas que se fez duro. É preciso manter o respeito e a sobriedade da casa.

- “Bom dia”. Insisto. Arrisco um sorriso.

- Bom dia. Ela responde, muito seca.

- Por favor, eu queria saber de uma doente que deu entrada aqui ontem para Ter filho

- Visita só às três horas da tarde.

- Sim, obrigada.

Tento de novo.

- Mas é possível saber como ela está? O nome dela é Maria Sábado Tavares.

- Sinhora, N fla Nha ma visita é só di tardi.

- Ok. Ma N kre sabi si ê ka mesti nada. Por favor! Nha faze-m es favor, li, Deus ta pága nha (Mais uma vez utilizo o Santo Nome de Deus em vão) Si djê tem fidju, si mininu sta dretu (matxu ô femia)...

- Nomi?

- Célia Reis.

- N fla Nha, nomi di doenti.

- Ah, desculpa! Maria Sábado Tavares

- Di undi?

- Di Salinero.

- Nha Spéra.

Uma senhora de azul passa com uma maca para fora.

- P....! Krê ê só mi kês ta odja p-ês manda!

Outra grita com as parturientes:

- Eh, suas porcas! Não deixem pingar o sangue no chão. Concerteza não fariam nisso se estivessem na vossa casa. Quem sujar o chão, faz favor de limpar. Aqui vocês não têm criada. Pensam que a gente é doida ou quê?

- Vá, Dona, Nha toma baldi ku panu nha limpa kau ki nha xuxa!

Mais tarde fiquei a saber que a porca que deixava o sangue cair no chão era a minha sobrinha que tinha acabado de dar à luz. E que a primeira coisa que ela fez depois de Ter parido um menino de 4 quilos e levado 10 pontos foi limpar o chão.

Essa gente tem alma?

De repente, voltam o rosto deformado a touca e os óculos. As luvas vieram arrastadas, mas já o balde continuava quietinho no seu canto. Obediente. Não fosse a servente ralhar com ele também.

- Sábu já teve um filho macho. Ela disse que precisa de camisa de noite, fraldas para criança e roupinha de menino. Desde as 3 da madrugada que o menino está nu prite. A senhora faz favor de trazer lençol também porque aquele lençol nosso que pusemos ela já encheu ele de sangue.

- Trouxe tudo. Agora lençol tenho que esperar abrirem as lojas para comprar. Não têm nenhum do hospital que a possam emprestar?

- Eu já lhe disse que ela sujou. Temos outras doentes. Outras com febre. Cesarianas. Ela é parto normal. Mas traz lençol porque ela está no corredor, não encontrou cama e lá faz muita corrente.

- Tenho que esperar até às nove horas?

- Tem uma senhora aqui que vende tudo. A Dona tem dinheiro?

- Chama a mulher que eu falo com ela.